Le Gil-Blas (RJ, 1877-1878): características materiais

Tania Regina de Luca

Unesp/CNPq

Publicação original: março/2015

O jornal Le Gil-Blas começou a circular no Rio de Janeiro em 14 de outubro de 1877, um domingo. A folha, integralmente redigida em francês, trazia por subtítulo journal politique, artistique et satirique. Naquele momento, os jornais de cunho humorísticos não se constituíam propriamente numa novidade, bastando lembrar a Semana Ilustrada (RJ, 1860-1876), de Henrique Fleiuss, que acabara de encerrar suas atividades, ou a emblemática Revista Ilustrada (RJ, 1876-1898) de Angelo Agostini, logo seguida pelo O Besouro (RJ, 1878-) de Rafael Bordalo Pinheiro, todas de responsabilidade de estrangeiros, definitivamente instalados, como o prussiano, ou de passagem pelos Trópicos, como o italiano e o português.

Mas engana-se quem espera encontrar no Gil-Blas litogravuras como as que povoavam as páginas das publicações citadas. O folha, que vinha a público semanalmente nas dimensões 43,5 por 31,7 cm, tinha quatro páginas, como era hábito na época, com o texto dividido em três colunas, sem ilustrações. A exceção ficava por conta de pequenas marcas gráficas, que dividiam a página e separavam seções e de desenhos de pequenas dimensões no interior das seções, para indicar mudança de assunto, tudo muito modesto, a despeito de o jornal sempre ter sido impresso na Tipografia da Gazeta de Notícias, matutino recém-fundado (RJ, 1875-1942) cujos proprietários empenhavam-se em oferecer um produto em sintonia com as novas possibilidades técnicas, em termos de conteúdo e de impressão. Cabe lembrar que praxe que os jornais oferecessem trabalhos tipográficos variados, potencializando assim a utilização das máquinas adquiridas para a impressão da folha.

Em termos da distribuição do conteúdo, observa-se que os responsáveis pelo Le Gil-Blas reservavam a primeira página para a seção Crônica Política, a única presente em todos os números. Já a partir do segundo número, iniciou-se a publicação de romances folhetim, ainda uma novidade na época e conteúdo obrigatório nos periódicos do tempo. O rodapé da primeira e da segunda páginas do jornal eram reservados a esse conteúdo. Em seu quase um ano de publicação, Le Gil-Blas começou – e não terminou – a publicação de duas obras, cujas escolhas estavam em sintonia com o espírito satírico do jornal.

A primeira delas, Histoire de France tintamarresque depuis les temps les plus reculés jusqu’à nos jours, de Léon-Charles Bienvenu, conhecido por Touchatout (1835/1911) é, como o nome bem indica, uma história da França, escrita em termos jocosos, constituída por seis volumes, publicados entre 1872 e 1903. O jornal publicou apenas um trecho do primeiro volume. O autor era figura de destaque no cenário francês da época, famoso por seus ataques às tradições históricas e a personagens contemporâneas, tanto que em 1874 veio a público a sua Histoire tintamarresque de Napoléon III, que satirizava de modo impiedoso o governante francês.

Sem maiores explicações, a obra de Touchatout foi substituída, a partir de 23 de junho de 1878 (número 37) por Le Pape de Victor Hugo, que acabara de ser publicada na França. Aqui o alvo dos ataques é o princípio da infalibilidade pontifical, estabelecida em 1870. A obra continuou esteve presente até o último número desta fase, datado de 1º de setembro de 1878.

O restante do jornal era ocupado por seções, com perenidade bastante variável, e material avulso que, por vezes, provinha de transcrições de outros órgãos da imprensa. A quarta página era reservada aos anúncios, que ganhou em organicidade a partir do trigésimo números. Havia anúncios de lojas, ofereciam-se serviços especializados (professor, pintor, cabelereiro, eletricista, por exemplo) e divertimentos (festas, restaurantes, bilhar, teatro).

A nova fase iniciou-se em 07 de setembro de 1878, quando o jornal alterou seu nome para Le Messager du Brésil, journal français (RJ, 1878-1884). A continuidade da publicação é atestada pelo fato de a numeração não haver sido interrompida, o endereço da redação (Rua Nova do Ouvidor nº. 37), tanto quanto o preço continuarem os mesmos e mesmo declarada no editorial que se intitulou Notre transformation. Note-se que esta observação é ainda provisória, na medida em que ainda está em curso a leitura sistemática dos exemplares disponíveis na Hemeroteca Digital Brasileira, observação que também é válida para a estruturação interna do conteúdo que, pelo menos inicialmente, não mudou de forma significativa, exceção feita aos anúncios que, desde logo, invadiram toda a quarta página e mesmo parte da anterior.

Tal como no primeiro ano de circulação, não há identificação dos responsáveis, sendo de se notar que o tom jocoso inicial, patente no fato de se indicar como redator chefe Fantasio, referência à personagem de comédia de Alfred Musset, bem como os estranhos pseudônimos que acompanhavam os textos, tornarem-se muito mais raros na fase subsequente, substituídos pelo grave La direction, como se nota no artigo que justificou a transformação do jornal.