VERBETES:      Gisele Batista da Silva (UFRJ)

O jornal L’Iride Italiana (1854-1856)

Publicado em 16/09/2021.

L’Iride Italiana. Giornale Settimanale del Prof. A. Galleano-Rarava não foi o primeiro jornal em língua italiana a ser publicado no Brasil, mas certamente foi a primeira iniciativa de expressiva circulação, considerável duração e, ainda, a primeira de especialidade temática literário-cultural de que se tem resguardo material. Foi fundado na Corte do Rio de Janeiro pelo poeta e professor genovês Alessandro Galleano Ravara que, antes de desembarcar na cidade em janeiro de 1854, formou-se na Universidade de Gênova e, nos anos seguintes, viajou para diferentes países ao redor do mundo. Acumulou, assim, considerável bagagem intelectual e cultural, fato que lhe rendeu uma nomeação como professor do Imperial Collegio de Pedro Segundo em novembro daquele ano. Declarou o professor italiano no editorial do primeiro número de sua L’Iride (de 2 de julho de 1854) que o jornal era uma resposta à necessidade de uma “irresistível ideia” que insistia povoar sua consciência, traduzida na propagação da língua e da literatura italianas por onde quer que ele passasse. No Brasil, “ventre da irmã que ela ama”, a cultura italiana encontraria, segundo Ravara, solo fértil e acolhimento irrecusável diante da crescente admiração que o teatro lírico despertava na elite imperial brasileira. Além da difusão da língua e da literatura, o periódico oferecia-se como recurso de trocas culturais e espaço para o debate e a “correção” crítica do teatro lírico encenado na Corte.

Frequentemente citado por seu gesto precursor, o jornal hebdomadário de Galleano Ravara conseguiu a atenção e os auspícios do imperador do Brasil, depois de o professor ter publicado os doze números de 1854 e um poema dedicado a D. Pedro II (no número 8, de 20 de agosto), no qual suplica ao “Cesare” por apoio pecuniário. O imperador manteve o patrocínio até a morte de seu fundador italiano, em maio de 1855, e depois de breve pausa o jornal é retomado em outubro do mesmo ano, sob a direção do amigo de Ravara, Pietro Bosisio. L’Iride circulou ainda, com intervalos irregulares, até janeiro de 1856, quando então, encerrou suas atividades.

As publicações de maior regularidade em L’Iride Italiana compreendiam desde folhetins com obras literárias inéditas ou canônicas (Appendici, Poesia), rubrica de crítica/crônica teatral (Teatro Lirico Fluminense), até seções dedicadas ao ensino da língua italiana (Metodo pratico per imparare la lingua italiana) e correspondências com personalidades literárias e políticas da época. Destacam-se, também, os poemas de autoria de Ravara dedicados à Imperatriz Teresa Cristina e um espaço destinado à divulgação e memória de importantes nomes da cultura ocidental, sobretudo italiana (Dizionario biografico italiano), entre outras seções de menor frequência. Congregava, assim, em seu espaço tipográfico diferentes gêneros discursivos que versavam, contudo, sobre a mesma matéria: a cultura, a literatura italiana. Além de Alessandro Galleano Ravara – que além de fundador, acumulava as funções de redator e editor –, outros agentes contribuíram no jornal, traduzindo textos, escrevendo artigos ou, ainda, compondo o seu repertório cultural. Nomes como os de José Maria Latino Coelho, Luigi Vicenzo De Simoni, José Maria de Andrade Ferreira, Antonio Bordo, Justiniano José da Rocha, G. Galli, António da Silva Tullio ou apenas indicações genéricas e pseudônimos como “Almeida”, “Aurélio”, “Fra Morsego, “La verità” e iniciais do tipo “B. T.”, “B. F. C. S.”, “C. S.”, “Z. X.”, “X”. Há também seções e rubricas sem qualquer assinatura, fazendo supor que, nesses casos, a maioria delas tenha sido escrita pela própria pena de Ravara.

Inicialmente com quatro páginas, o periódico passa a ter oito páginas a partir do número 8 de 1855 e mantém essa configuração até 1856. Na segunda fase do jornal, após a morte de Galleano Ravara, há mudanças substanciais na diagramação e na dedicação a temas literários, e o informe sobre o patrocínio do Imperador desaparece do cabeçalho. Além da publicação de um novo editorial em 4 de outubro de 1855, no qual reforça-se o compromisso com as motivações culturais que incentivaram a fundação de L’Iride por Ravara e a dedicação do jornal à arte teatral, o novo proprietário e redator Pietro Bosisio muda o subtítulo de L’Iride Italiana para Giornale ebdomadario redatto in due lingue, italiana e portoghese e amplia os temas a que o periódico se dedica – incluindo belas-artes, indústria e notícias gerais. Na prática, o jornal publicava, ainda, anúncios publicitários de variado gênero, publicações a pedido e as ilustrações e caricaturas litográficas de Sébastien Auguste Sisson. Interessante notar que entre as duas fases do jornal mantém-se, e mesmo intensifica-se, o interesse e a dedicação às notícias e à crítica sobre o teatro na Corte, mas apenas na segunda fase é garantida sua publicação integralmente bilíngue, encontrando-se na primeira fase apenas algumas poucas seções ou trechos traduzidos, demonstrando pouco ou nenhum critério normativo para essa prática.

L’Iride Italiana foi relevante instrumento de circulação de bens culturais italianos no Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX e deixou um significativo legado que conta e reconstrói a vida social e artístico-cultural da Corte. Além disso, o jornal idealizado por Alessandro Galleano Ravara propunha-se a prestar um serviço instrutivo, de orientação eurocêntrica, para a recém-nação brasileira, possibilitando a circulação e aquisição da língua italiana, pelo menos entre os leitores da elite imperial, seu público-alvo.

REFERÊNCIAS

TRENTO, Angelo. Imprensa italiana no Brasil: século XIX e XX. Trad. de Roberto Zaidan. São Carlos: EdUFSCar, 2013.

DI GESÙ, Matteo. Una nazione di carta. Tradizione letteraria e identità italiana. Roma: Carocci, 2013.

NATI, Mario. Breve storia della stampa italiana in Brasile. Rassegna storica del Risorgimento. Anno LIV, Fascicolo II. Aprile-Giugno, 1967. Istituto per la Storia del Risorgimento Italiano.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.