VERBETES:
Antonio de Ruggiero (PUCRS)
Tamara Zambiasi (PUCRS)
O jornal semanal “La Patria Italo-Brasiliana” e seus almanaques (1915-1931)
Publicado em 12/03/2021.
Em 24 de outubro de 1915 surgia em Porto Alegre o primeiro exemplar do jornal em língua italiana La Patria Italo-brasiliana. A iniciativa do italiano Vicente Blancato em conjunto com seu sobrinho, Gaetano Blancato, produziu um dos mais longevos jornais de imigração em circulação no Rio Grande do Sul, perdurando até 1931. Vicente Blancato chegou ao Brasil por volta de 1910, provavelmente vindo de uma primeira experiência de imigração nos Estados Unidos. Logo ao chegar em Porto Alegre, em 1911 abriu a conhecida escola de idiomas Berlitz, onde lecionava inglês, francês e italiano (CORREIO, 1911; apud BRUM, 2005). Dois anos mais tarde lançou sua primeira publicação, a revista O Progresso, escrita em português e voltada à indústria, comércio e agricultura, e circulante entre 1913 e 1920. Posteriormente, já na década de 1920, dedicou-se a publicações com caráter econômico e biográfico. Em 1921 organizou e editou o Almanack do Commercio do Rio Grande do Sul e, em 1923, publicou a obra As Forças Econômicas do Estado do Rio Grande do Sul – 1º Centenário da Independência do Brasil, dedicada “às beneméritas classes conservadoras do Rio Grande do Sul” (BLANCATO, 1922).
As edições do jornal semanal La Patria Italo-brasiliana, que podem ser consultadas na Biblioteca de História Moderna e Contemporânea de Roma, são: nove do ano de 1916; treze de 1917; e quatro de 1918. O periódico era impresso em quatro páginas: a primeira apresenta as principais notícias vindas da Itália, dividindo espaço com análises econômicas importantes para a coletividade italiana no estado; a segunda e terceira páginas são dedicadas aos telegramas que chegavam do exterior através do serviço telegráfico do jornal e correspondências locais da comunidade italiana, incluindo a atividade de associações “étnicas” italianas espalhadas pelo estado; por fim, a última página apresenta anúncios de estabelecimentos comerciais em Porto Alegre, quase todos de italianos. A publicação apresentava uma linha editorial nacionalista e patriótica, em defesa da Itália e dos italianos no estado, sob o lema Vis Unita Fortior, na convicção que “as nossas colônias italianas serão mais fortes, quanto mais unidas forem” (LPIB, Porto Alegre, 23/10/1916). Entretanto, apresentava as demandas da coletividade italiana de forma mediada, buscando estabelecer um diálogo com a comunidade gaúcha e os governantes locais. As ideias positivistas de progresso, expressas pelo Partido Republicano Riograndense e consolidadas no governo de Borges de Medeiros, eram consoantes com o espírito do jornal e de seu editor, ainda que se declarasse “independente, não afeito a fofocas e não arregimentado a nenhum partido político” (LPIB, Porto Alegre, 23/10/ 1916).
Não obstante a quantidade relativamente exígua, a análise destes exemplares revela-se de extraordinário interesse, justamente pelo papel que o jornal assume como divulgador de uma propaganda nacionalista específica que – fato peculiar – se contrapunha com uma certa veemência e com muitas denúncias à atividade do Consulado italiano de Porto Alegre, representado, por sua vez, por um outro jornal “de guerra”, o Italia, órgão oficial financiado pelo Comitê Pró-Pátria da capital rio-grandense.
Nesse período, dois temas ganham destaque na publicação. As manifestações contra o cônsul italiano no Rio Grande do Sul, Giovanni Battista Beverini, até junho de 1917. Em matérias assinadas pelo próprio Vicente Blancato, o cônsul Beverinini é acusado de ser um “mercador da pátria” vendido aos alemães, e de mostrar um geral desinteresse pelas questões da comunidade representada (LPIB, Porto Alegre, 05/08/1916). As colunas colocavam Blancato como vítima de uma campanha difamatória conduzida pelo cônsul e pela imprensa ligada ao órgão diplomático. Outro tema da época é constituído pelas acusações de esquemas de corrupção nos processos de visitas médicas conduzidas pelo consulado do Reino da Itália em Porto Alegre para alistar reservistas para o front de guerra italiano, diretamente imputadas ao cônsul; e a denúncias de desvio de dinheiro arrecadado para os fundos de auxílio aos esforços de guerra dos Comitês Pro-Patria locais.
O material é parcial, mas nos permite refletir sobre algumas questões ligadas à heterogeneidade e aos conflitos internos à comunidade ítalo-gaúcha da capital e dos diversos centros coloniais, em um período conturbado como foi aquele da Primeira Guerra Mundial.
O jornal editava anualmente o seu Almanacco Italiano Illustrato, distribuído aos assinantes de forma gratuita, sendo o primeiro número de 1917. Deste periódico possuímos a coleção completa (com exclusão do exemplar de 1923). Impresso em formato A5, em duas colunas, com uma média de 200 páginas, em papel jornal, exceto pelas edições de 1924 e 1927, impressas em papel couché. As capas traziam ilustrações coloridas com inclinação patriótica, como a figura de uma mulher abraçada à bandeira italiana e imagens de Giuseppe Garibaldi. O periódico, em língua italiana, dedicava suas primeiras páginas a informações cotidianas, com seções como “I mesi dell’anno” (Os meses do ano), “Note di agricoltura” (Notas de agricultura), “Guida degli ufficii pubblici di Porto Alegre” (Guia dos órgãos públicos de Porto Alegre). Além dessas seções, havia páginas de poesia, história dos mitos italianos, receitas, artigos sobre a guerra, política italiana e assuntos internacionais. Os anúncios publicitários eram abundantes e vinham inseridos entre os artigos, geralmente ao pé da página e em tamanho reduzido, mas também eram dedicadas à propaganda comercial as páginas intermediárias, com inserções maiores, algumas chegando a ocupar a página inteira. Os anunciantes eram em sua maioria imigrantes italianos, mas encontravam-se também anúncios de empresas de imigrantes alemães, de comércios locais, e de multinacionais, como bancos e seguradoras.
O almanaque apresentava uma retórica voltada aos compatriotas trabalhadores que honravam a Itália e contribuíam para o progresso da país de adoção. Aspirava ser um periódico cívico e educador, e tinha como objetivo declarado tornar-se uma enciclopédia popular (ALPIB, Porto Alegre, 1922). Cultivando constantemente um discurso da defesa étnica, a publicação constrói uma retórica nacionalista e moralista com a finalidade de manter vivo na coletividade italiana o sentimento de pertencimento à pátria de origem. Os temas mais desenvolvidos são justamente aqueles ligados à participação vitoriosa da Itália no conflito mundial; à ocupação da Líbia; sem esquecer os resultados significativos conseguidos no campo econômico pelos colonos imigrados no Rio Grande do Sul. Alinhado às ideias irredentistas de Gabriele D’Annunzio e de Enrico Corradini, defendia uma necessária política de expansão para o jovem estado italiano. A questão estava associada à ideia de uma Itália destinada a prestar o papel de país civilizador.
REFERÊNCIAS
ALMANACCO Italiano Illustrato del giornale ‘La Patria italo-brasiliana’, Porto Alegre, ano VI, 1922.
BLANCATO, Vicente S. As Forças econômicas do Estado do Rio Grande do Sul no 1º centenario da independencia do Brasil 1822 – 1922. Porto Alegre: Globo, 1922.
CORREIO DO POVO. Porto Alegre, 13 ago. 1911, apud BRUM, Rosemary Fitsch. Caderno de pesquisa: notícias de imigrantes italianos em Porto Alegre, entre 1911 e 1937. São Luís/MA: EDUFMA, 2005, p. 15.
LA PATRIA Italo-brasiliana. Anniversario. Porto Alegre, 23 out. 1916.
LA PATRIA Italo-brasiliana. In difesa delle colonie italiane. Per l’abolizione dell’imposto sul vino – L’industria dei salami minacciata dal fisco. Porto Alegre, 5 ago. 1916.