VERBETE: Valéria Guimarães
Publicado em 08 de março de 2023.
Os “Registros de Jornais e Revistas”* aqui apresentados fazem parte da antiga Biblioteca Pública do Estado e desde 1937 pertencem ao acervo da Biblioteca Mário de Andrade.
Estes catálogos são importantes sobretudo por fornecerem subsídios para a pesquisa sobre hábitos de leitura de sua época. Estão divididos em dois livros, 19111925 e 19261934, e através deles podemos ter acesso a uma série de referências dos periódicos estrangeiros e nacionais então adquiridos pela antiga Biblioteca Pública do Estado.
Eram jornais e revistas destinados à consulta pública, estando ao alcance dos leitores que encontravamse em São Paulo nos idos de 1900. Ao que parece, esta demanda contemplava uma grande variedade de idiomas, com exemplares em francês, inglês, italiano, alemão, espanhol, árabe, sírio, aramaico e, claro, português, o que inclui a produção lusófona em geral.
Os registros eram organizados por data de aquisição, título e nome do proprietário do periódico (editor, em geral), local de publicação (alguns dos registros trazem o endereço da redação), proveniência (doação, contribuição legal, compra etc.), idioma de publicação e tema, além de algumas observações do bibliotecário.
Outros critérios foram sendo adotados com o passar do tempo como a menção à periodicidade, ao preço e ao volume do jornal, sendo possível constatar se a publicação era recente ou longeva.
No que diz respeito aos idiomas em que eram publicados, no ano de 1911, a Biblioteca adquiriu 22 periódicos (jornais e revistas) em português (Brasil e Portugal, com predominância de São Paulo e Rio de Janeiro), 15 em francês e 2 em alemão.
No fim do ano seguinte, 1912, tinham dado entrada neste acervo 148 periódicos em português, 15 em francês, 1 em inglês, 6 em alemão, 3 em espanhol, 9 em italiano e 3 em outros idiomas. Entre os jornais em língua estrangeira, é possível perceber a predominância de publicações em francês, como era comum nos acervos brasileiros nesta passagem do século. Alguns deles eram editados no Brasil, como o francês Le Messager de São Paulo[ou S. Paul] de E. Hollender.
O critério de classificação dos catálogos foi alterado a partir de 1913, mas o “movimento do ano” dos periódicos, dividido por idioma, é assinalado ao fim de cada mês, e o francês continua sendo a língua predominante entre os impressos nãolusófonos.
Chama a atenção o número irrisório de periódicos em espanhol, sejam eles provenientes da Espanha ou da América Espanhola, estando abaixo até do alemão, idioma muito distante do português, e do italiano. Neste último caso é até compreensível que haja mais periódicos italianos que espanhóis, o que se explica pela grande imigração e pela prolífica imprensa italiana em território nacional, sobretudo paulista.
Mas o fato de haver mais periódicos em francês que no idioma de Dante deixa claro que não podemos ligar de forma mecânica o fenômeno do impresso periódico em língua estrangeira apenas a uma expressão da presença de comunidades de imigrantes em solo brasileiro, uma vez que imigração francesa é muito inferior à italiana.
De qualquer modo, esse fato corrobora nossa hipótese de que o imaginário brasileiro proveniente da cultura letrada era pautado mais por suas ligações com a França que com os demais países da América Latina.
Em termos históricos, isso implica que as escolhas ocorridas no seio das instituições encarregadas de eleger parâmetros do que era tido como uma boa cultura letrada orientavamse tanto pelo papel exercido pela França como referência cultural, como pelas expectativas de certos grupos, que elegiam o periodismo francês como aquele que melhor poderia contribuir para a formação de seus leitores.
Como diz Peter Burke, ao tratar do tema da “tradução cultural”, existem dois critérios que orientam as escolhas do que será ou não traduzido: o preenchimento de “lacunas da cultura hospedeira” e o “princípio da confirmação, segundo o qual pessoas de uma dada cultura traduzem obras que sustentam ideias, premissas ou preconceitos já presentes nela.” [1]
Embora não se trate de um caso literal de tradução, a diversidade de jornais na São Paulo da época estudada nos dá a medida da importância das referências do jornalismo francês para os paulistas e, podemos dizer, para os brasileiros, dado o papel de São Paulo na vida cultural nacional.